[aos alunos do 2º ano]
Escrito em abril de 1868, esse poema, do qual aqui é apresentado apenas um trecho, constitui o maior grito de indignação utilizado pela campanha abolicionista.
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
Quem são estes desgraçados,
Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!
São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem a solidão...
Homens simples, fortes. bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...
São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma - lágrimas e fel.
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael.
[...]
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão...
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cum'lo da maldade
Não são livres pr'a... morrer...
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpente -
Nas roscas da escravidão.
E assim roubados à morte,
Dança a lúgubre corte
Ao som do açoite... Irrisão!...
Castro Alves
quarta-feira, 3 de junho de 2009
sexta-feira, 22 de maio de 2009
Crônica de El-Rei D. Pedro - episódio de Inês de Castro
[aos alunos do 1º ano]
A Purtugal forom tragidos Alvoro Gonçalvez e Pero Coelho, e chegarom a Santarem onde elRei Dom Pedro era [estava]; e elRei, com prazer de sua vinda, porem mal magoado [muito magoado] por que Diego Lopes fugira, os saiu fora a receber, e sanha [ódio] cruel sem piedade lhos fez per sua maão meter a tormento [torturar] querendo que lhe confessassem quaes forom da morte de Dona Enes [Inês] culpados, e que era o que seu padre trautava contreele [seu pai tramava contra ele], quando andavom desaviindos [desentendidos] por aazo [por ocasião] da morte dela; e nenhum deles respondeo e taaes preguntas cousa que a elRei prouvesse [quisesse]; e elRei com queixume dizem que deu huum açoute no rostro [uma chicotada no rosto] a Pero Coelho, e ele se soltou entom contra elRei, em desonestas e feas palavras, chamando-lhe traidor, falso perjuro, algoz e carneceiro dos homeens; e elRei dizendo que lhe trouxessem cebola e vinagre pêra o coelho, enfadousse [aborreceu-se] deles e mandouhos matar. A maneira de su morte, seendo dita pelo meudo [contada em detalhes], seria mui estranha e crua de contar, ca mandou tirar o coraçom pelos peitos a Pero Coelho, e a Alvoro Gonçalvez pelas espadoas [costas]; e quaaes palavras ouve, e aquel que lho tirava que tal oficio avia pouco em costume, seeria bem doorida [dolorida] cousa douvir [de ouvir]; emfim mandouhos queimar.
A Purtugal forom tragidos Alvoro Gonçalvez e Pero Coelho, e chegarom a Santarem onde elRei Dom Pedro era [estava]; e elRei, com prazer de sua vinda, porem mal magoado [muito magoado] por que Diego Lopes fugira, os saiu fora a receber, e sanha [ódio] cruel sem piedade lhos fez per sua maão meter a tormento [torturar] querendo que lhe confessassem quaes forom da morte de Dona Enes [Inês] culpados, e que era o que seu padre trautava contreele [seu pai tramava contra ele], quando andavom desaviindos [desentendidos] por aazo [por ocasião] da morte dela; e nenhum deles respondeo e taaes preguntas cousa que a elRei prouvesse [quisesse]; e elRei com queixume dizem que deu huum açoute no rostro [uma chicotada no rosto] a Pero Coelho, e ele se soltou entom contra elRei, em desonestas e feas palavras, chamando-lhe traidor, falso perjuro, algoz e carneceiro dos homeens; e elRei dizendo que lhe trouxessem cebola e vinagre pêra o coelho, enfadousse [aborreceu-se] deles e mandouhos matar. A maneira de su morte, seendo dita pelo meudo [contada em detalhes], seria mui estranha e crua de contar, ca mandou tirar o coraçom pelos peitos a Pero Coelho, e a Alvoro Gonçalvez pelas espadoas [costas]; e quaaes palavras ouve, e aquel que lho tirava que tal oficio avia pouco em costume, seeria bem doorida [dolorida] cousa douvir [de ouvir]; emfim mandouhos queimar.
terça-feira, 7 de abril de 2009
Cantiga de amigo
[aos alunos do 1º ano Noturno]
Vaiamos, irmana, vaiamos dormir
nas ribas do lago, u eu andar vi
a las aves meu amigo.
Vaiamos, irmana, vaiamos folgar
nas ribas do lago, u eu vi andar
a las aves meu amigo.
Enas ribas do lago, u eu andar vi,
seu arco na mão as aves ferir,
a las aves, meu amigo.
Enas ribas do lago, u eu vi andar,
seu arco na mão a las aves tirar,
a las aves, meu amigo.
Seu arco na mão as aves ferir,
e las que cantavan leixá-las guarir,
a las aves, meu amigo.
Seus arco na mão a las aves tirar,
e las que cantavan non nas quer matar,
a las aves, meu amigo
Tradução:
Vamos, irmã, vamos dormir
nas margens do lago, onde eu vi andar,
com as aves, o meu amado.
Vamos, irmã, vamos folgar
nas margens do lago, onde eu vi andar,
com as aves, o meu amado.
Nas margens do lago, onde eu vi andar
com seu arco em punho, a ferir as aves,
com as aves, o meu amado.
Nas margens do lago, onde eu vi andar
com seu arco em punho, a atirar nas aves,
com as aves, o meu amado.
Seu arco em punho a ferir as aves
aquelas que cantavam, deixa-as curar
com as aves, o meu amado.
Seu arco em punho a atirar nas aves
aquelas que cantavam, não as quer matar
com as aves, o meu amado.
Vaiamos, irmana, vaiamos dormir
nas ribas do lago, u eu andar vi
a las aves meu amigo.
Vaiamos, irmana, vaiamos folgar
nas ribas do lago, u eu vi andar
a las aves meu amigo.
Enas ribas do lago, u eu andar vi,
seu arco na mão as aves ferir,
a las aves, meu amigo.
Enas ribas do lago, u eu vi andar,
seu arco na mão a las aves tirar,
a las aves, meu amigo.
Seu arco na mão as aves ferir,
e las que cantavan leixá-las guarir,
a las aves, meu amigo.
Seus arco na mão a las aves tirar,
e las que cantavan non nas quer matar,
a las aves, meu amigo
(Fernando Esguio)
Tradução:
Vamos, irmã, vamos dormir
nas margens do lago, onde eu vi andar,
com as aves, o meu amado.
Vamos, irmã, vamos folgar
nas margens do lago, onde eu vi andar,
com as aves, o meu amado.
Nas margens do lago, onde eu vi andar
com seu arco em punho, a ferir as aves,
com as aves, o meu amado.
Nas margens do lago, onde eu vi andar
com seu arco em punho, a atirar nas aves,
com as aves, o meu amado.
Seu arco em punho a ferir as aves
aquelas que cantavam, deixa-as curar
com as aves, o meu amado.
Seu arco em punho a atirar nas aves
aquelas que cantavam, não as quer matar
com as aves, o meu amado.
Cantiga de amor
[aos alunos do 1º ano Noturno]
Quer'eu em maneira de proençal
fazer agora un cantar d'amor,
e querrei muit'i loar mia senhor
a que prez nen fremusura non fal,
nen bondade; e mais vos direi en:
tanto a fez Deus comprida de ben
que mais que todas las do mundo val.
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedor
de todo ben e de mui gran valor,
e con todo est'é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bon sen,
e des i non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh'outra foss'igual.
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,
mais pôs i prez e beldad'e loor
e falar mui ben, e riir melhor
que outra molher; des i é leal
muit', e por esto non sei oj'eu quen
possa compridamente no seu ben
falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.
Tradução:
Quero à moda provençal
fazer agora um cantar de amor,
e quererei muito aí louvar minha senhora
a quem honra nem formosura não faltam
nem bondade; e mais vos direi sobre ela:
Deus a fez tão cheia de qualidades
que ela mais que todas do mundo.
Pois Deus quis fazer minha senhora de tal modo
quando a fez, que a fez conhecedora
e todo bem e de muito grande valor,
e além de tudo isto é muito sociável
quando deve; também deu-lhe bom senso,
e desde então lhe fez pouco bem
impedindo que nenhuma outra fosse igual a ela.
Porque em minha senhora nunca Deus pôs mal,
mas pôs nela honra e beleza e mérito
e capacidade de falar bem, e de rir melhor
que outra mulher também é muito leal
e por isto não sei hoje quem
possa cabalmente falar no seu próprio bem
pois não há outro bem, para além do seu.
Quer'eu em maneira de proençal
fazer agora un cantar d'amor,
e querrei muit'i loar mia senhor
a que prez nen fremusura non fal,
nen bondade; e mais vos direi en:
tanto a fez Deus comprida de ben
que mais que todas las do mundo val.
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedor
de todo ben e de mui gran valor,
e con todo est'é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bon sen,
e des i non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh'outra foss'igual.
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,
mais pôs i prez e beldad'e loor
e falar mui ben, e riir melhor
que outra molher; des i é leal
muit', e por esto non sei oj'eu quen
possa compridamente no seu ben
falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.
(D. Dinis)
Tradução:
Quero à moda provençal
fazer agora um cantar de amor,
e quererei muito aí louvar minha senhora
a quem honra nem formosura não faltam
nem bondade; e mais vos direi sobre ela:
Deus a fez tão cheia de qualidades
que ela mais que todas do mundo.
Pois Deus quis fazer minha senhora de tal modo
quando a fez, que a fez conhecedora
e todo bem e de muito grande valor,
e além de tudo isto é muito sociável
quando deve; também deu-lhe bom senso,
e desde então lhe fez pouco bem
impedindo que nenhuma outra fosse igual a ela.
Porque em minha senhora nunca Deus pôs mal,
mas pôs nela honra e beleza e mérito
e capacidade de falar bem, e de rir melhor
que outra mulher também é muito leal
e por isto não sei hoje quem
possa cabalmente falar no seu próprio bem
pois não há outro bem, para além do seu.
I-Juca Pirama (trechos selecionados e estudo dirigido)
[aos alunos do 2º ano Noturno]
a) a preparação do ritual de canibalismo (Canto II):
Em fundos vasos d'alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!
b) o índio prisioneiro é chamado a dizer seus feitos, ao que ele responde o seguinte (Canto IV):
f) o chefe timbira então responde:
g) tendo isso ouvido, o velho tupi vira-se ao filho e lhe fala nos seguintes termos (este constitui um dos trechos mais dramáticos do poema - Canto VIII)
h) ao terminar seu discurso, o velho sai apalpando e se afastando do filho. O filho, então, para provar sua bravura, declara, sozinho, guerra à nação timbira, o que causa comoção no velho e o reconhecimento de sua coragem por parte dos timbiras (Canto IX):
a) a preparação do ritual de canibalismo (Canto II):
Em fundos vasos d'alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!
b) o índio prisioneiro é chamado a dizer seus feitos, ao que ele responde o seguinte (Canto IV):
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces [traiçoeiras]
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
[...]
Aos golpes do imigo
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos [coitados]
Por ínvios caminhos
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto
Só queria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das flechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um grupo guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego,
Qual seja, - dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho que sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces [traiçoeiras]
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
[...]
Aos golpes do imigo
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos [coitados]
Por ínvios caminhos
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto
Só queria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das flechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um grupo guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego,
Qual seja, - dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho que sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
c) o chefe timbira manda soltar o prisioneiro e diz:
- Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste!... parte, não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.
E tu choraste!... parte, não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.
d) o índio tupi retorna ao pai, que está moribundo na floresta. O pai, apalpando-o e pelo cheiro das tintas, percebe que seu filho fora preparado para o ritual e pede para que ele retorne e se entregue aos timbiras. Dá-se, então, o seguinte diálogo:
- Tu prisioneiro, tu?
- Vós o dissestes.
- Dos índios?
- Sim.
- De que nação?
- Timbiras.
- E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs [deuses] quebraste a maça...
- Nada fiz... aqui estou.
- Nada! -
Emudecem;
- Vós o dissestes.
- Dos índios?
- Sim.
- De que nação?
- Timbiras.
- E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs [deuses] quebraste a maça...
- Nada fiz... aqui estou.
- Nada! -
Emudecem;
e) depois de descobrir que o filho não se entregou ao sacrifício, o velho pede a ele que o leve à tribo timbira. Lá chegando o velho se dirige aos guerreiros timbiras:
"Por amor de um triste velho,
Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, - e mas foram
Senhores em gentileza.
"Eu porém nunca vencido
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira
Em todo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por pai se ufane!"
Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, - e mas foram
Senhores em gentileza.
"Eu porém nunca vencido
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira
Em todo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por pai se ufane!"
f) o chefe timbira então responde:
"Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele [covarde] e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto."
É teu filho imbele [covarde] e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto."
g) tendo isso ouvido, o velho tupi vira-se ao filho e lhe fala nos seguintes termos (este constitui um dos trechos mais dramáticos do poema - Canto VIII)
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma insconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impura de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!"
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma insconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impura de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!"
h) ao terminar seu discurso, o velho sai apalpando e se afastando do filho. O filho, então, para provar sua bravura, declara, sozinho, guerra à nação timbira, o que causa comoção no velho e o reconhecimento de sua coragem por parte dos timbiras (Canto IX):
Ele [o pai] que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
[...]
- Basta! clama o chefe dos Timbiras,
- Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste
E para o sacrifício é mister forças.
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
Corram livres as lágrimas que choro,
Estas lágrimas que não desonram."
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou na memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi!"
"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo [vergonha];
Parece que vejo,
Que o tenho nest´hora diante de mi.
"Eu disse comigo: Que infâmia d'escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!"
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
[...]
- Basta! clama o chefe dos Timbiras,
- Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste
E para o sacrifício é mister forças.
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
Corram livres as lágrimas que choro,
Estas lágrimas que não desonram."
i) o último canto é dedicado a dizer que esse é um mito guardado na memória do povo timbira, que teve que reconhecer a coragem de um tupi (Canto X):
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou na memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi!"
"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo [vergonha];
Parece que vejo,
Que o tenho nest´hora diante de mi.
"Eu disse comigo: Que infâmia d'escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!"
Manifesto técnico da literatura futurista (resumo)
[aos alunos do 3º ano Noturno]
[...]
1. É preciso destruir a sintaxe, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem.
2. [...]. O verbo no infinitivo pode, sozinho, dar o sentido da continuidade da vida e a elasticidade da intuição.
3. Deve-se abolir o adjetivo, para que o substantivo desnudo conserve a sua cor essencial. O adjetivo, tendo em si um caráter de esbatimento, é incompatível com a nossa visão dinâmica, uma vez que supõe uma parada, uma meditação.
5. Assim como a velocidade aérea multiplicou o nosso conhecimento do mundo, a percepção por analogia torna-se sempre mais natural para o homem.
6. Abolir também a pontuação. [...] sem as paradas absurdas das vírgulas e dos pontos.
[...]
Nós inventaremos juntos aquilo que eu chamo a imaginação sem fios. Chegaremos um dia a uma arte ainda mais essencial [...].
Poetas futuristas! Eu vos ensinei a odiar as bibliotecas e os museus, preparando-vos para odiar a inteligência, despertando em vós a divina intuição, dom característico das raças latinas. Mediante a intuição, venceremos a hostilidade aparentemente irredutível que a separa a nossa carne humana do metal do motor.
(Filippo Tomaso Marinetti. Milão, 11 de maio de 1912)
[...]
1. É preciso destruir a sintaxe, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem.
2. [...]. O verbo no infinitivo pode, sozinho, dar o sentido da continuidade da vida e a elasticidade da intuição.
3. Deve-se abolir o adjetivo, para que o substantivo desnudo conserve a sua cor essencial. O adjetivo, tendo em si um caráter de esbatimento, é incompatível com a nossa visão dinâmica, uma vez que supõe uma parada, uma meditação.
5. Assim como a velocidade aérea multiplicou o nosso conhecimento do mundo, a percepção por analogia torna-se sempre mais natural para o homem.
6. Abolir também a pontuação. [...] sem as paradas absurdas das vírgulas e dos pontos.
[...]
Nós inventaremos juntos aquilo que eu chamo a imaginação sem fios. Chegaremos um dia a uma arte ainda mais essencial [...].
Poetas futuristas! Eu vos ensinei a odiar as bibliotecas e os museus, preparando-vos para odiar a inteligência, despertando em vós a divina intuição, dom característico das raças latinas. Mediante a intuição, venceremos a hostilidade aparentemente irredutível que a separa a nossa carne humana do metal do motor.
(Filippo Tomaso Marinetti. Milão, 11 de maio de 1912)
Le Futurisme (O Futurismo)
[aos alunos do 3º ano Noturno]
[...]
Então, com o rosto mascarado pela boa lama das usinas, cheio de escórias de metal, de suores inúteis e de fuligem celeste, levando nossos braços pisados na tipóia, entre o lamento dos sábios pescadores à linha e dos naturalistas angustiados, nós ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:
MANIFESTO FUTURISTA
1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.
2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.
3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.
4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com a beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre adornado de grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo... um automóvel rugidor, que aprece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Somotrácia.
5. Nós queremos cantar o homem que está na direção, cuja haste ideal atravessa a Terra, arremessada sobre o circuito de sua órbita.
6. É preciso que o poeta se desgaste com calor, brilho e prodigalidade, para aumentar o fervor entusiástico dos elementos primordiais.
7. Não há mais beleza senão na luta. Nada de obra-prima sem um caráter agressivo. A poesia deve ser um assalto violento contra as forças desconhecidas, para intimá-las a deitar-se diante do homem.
8. Nós estamos sobre o promontório extremo dos séculos!... Para que olhar para trás, no momento que é preciso arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós vivemos já no absoluto, já que nós criamos a eterna velocidade onipresente.
9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas idéias que matam, e o menosprezo à mulher.
10. Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunas e utilitárias.
[...]
É para a Itália que nós lançamos este manifesto de violência agitada e incendiária, pela qual fundamos hoje o Futurismo, porque queremos livrar a Itália de sua gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários.
A Itália foi por muito tempo o grande mercado das quinquilharias. Nós queremos desembaraçá-la dos museus inumeráveis que a cobrem de inumeráveis cemitérios.
Museus, cemitérios!... Idênticos verdadeiramente no seu sinistro acotovelamento de corpos que não se conhecem. Dormitórios públicos onde a gente dorme para sempre lado a lado com os seres odiados ou desconhecidos.
Admirar um velho quadro é verter nossa sensibilidade numa urna funerária, em vez de lançá-la adiante pelos jatos violentos de criação e ação.Você quer portanto estragar suas melhores forças numa admiração inútil do passado, do qual você sai forçosamente esgotado, diminuído, espezinhado?
Venham portanto os bons incendiários de dedos carbonizados!... Ei-los aqui! Ei-los aqui!... E metam logo o fogo nas prateleiras da bibliotecas! Desviem o curso dos canais para inundar as sepulturas dos museus!... Oh! que elas, as telas gloriosas, nadem à deriva! Para vocês as picaretas e os martelos! Escavem os fundamentos das cidades veneráveis!
[...]
Olhem-nos! Nós não estamos esfalfados... Nosso coração não tem a menor fadiga! Porque ele está nutrido pelo fogo, pelo ódio e pela velocidade!... Isso o espanta? É que você não se lembra mesmo de ter vivido.
(Filippo Tomaso Marinetti. Le Figaro. Paris. 20 de fevereiro de 1909)
[...]
Então, com o rosto mascarado pela boa lama das usinas, cheio de escórias de metal, de suores inúteis e de fuligem celeste, levando nossos braços pisados na tipóia, entre o lamento dos sábios pescadores à linha e dos naturalistas angustiados, nós ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:
MANIFESTO FUTURISTA
1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.
2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.
3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.
4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com a beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre adornado de grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo... um automóvel rugidor, que aprece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Somotrácia.
5. Nós queremos cantar o homem que está na direção, cuja haste ideal atravessa a Terra, arremessada sobre o circuito de sua órbita.
6. É preciso que o poeta se desgaste com calor, brilho e prodigalidade, para aumentar o fervor entusiástico dos elementos primordiais.
7. Não há mais beleza senão na luta. Nada de obra-prima sem um caráter agressivo. A poesia deve ser um assalto violento contra as forças desconhecidas, para intimá-las a deitar-se diante do homem.
8. Nós estamos sobre o promontório extremo dos séculos!... Para que olhar para trás, no momento que é preciso arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós vivemos já no absoluto, já que nós criamos a eterna velocidade onipresente.
9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas idéias que matam, e o menosprezo à mulher.
10. Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunas e utilitárias.
[...]
É para a Itália que nós lançamos este manifesto de violência agitada e incendiária, pela qual fundamos hoje o Futurismo, porque queremos livrar a Itália de sua gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários.
A Itália foi por muito tempo o grande mercado das quinquilharias. Nós queremos desembaraçá-la dos museus inumeráveis que a cobrem de inumeráveis cemitérios.
Museus, cemitérios!... Idênticos verdadeiramente no seu sinistro acotovelamento de corpos que não se conhecem. Dormitórios públicos onde a gente dorme para sempre lado a lado com os seres odiados ou desconhecidos.
Admirar um velho quadro é verter nossa sensibilidade numa urna funerária, em vez de lançá-la adiante pelos jatos violentos de criação e ação.Você quer portanto estragar suas melhores forças numa admiração inútil do passado, do qual você sai forçosamente esgotado, diminuído, espezinhado?
Venham portanto os bons incendiários de dedos carbonizados!... Ei-los aqui! Ei-los aqui!... E metam logo o fogo nas prateleiras da bibliotecas! Desviem o curso dos canais para inundar as sepulturas dos museus!... Oh! que elas, as telas gloriosas, nadem à deriva! Para vocês as picaretas e os martelos! Escavem os fundamentos das cidades veneráveis!
[...]
Olhem-nos! Nós não estamos esfalfados... Nosso coração não tem a menor fadiga! Porque ele está nutrido pelo fogo, pelo ódio e pela velocidade!... Isso o espanta? É que você não se lembra mesmo de ter vivido.
(Filippo Tomaso Marinetti. Le Figaro. Paris. 20 de fevereiro de 1909)
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